Sartre foi o principal representante do existencialismo francês, um dos
mais famosos pensadores do século XX, destacando-se como filósofo e romancista.
Militou na resistência francesa chegando a ser preso pelos alemães e foi um dos
poucos pensadores a não pertencer ao mundo acadêmico. No início de sua carreira
foi influenciado pela fenomenologia de Husserl, depois, desenvolveu sua própria
filosofia, uma filosofia da existência, a partir de uma análise da condição
humana, do homem como “um ser que a
existência precede a essência”. Sartre foi um ateísta. Para ele, a vida
diante da morte é um absurdo, a consciência da finitude deve levar o homem à busca
de uma justificativa, de um sentido para a existência humana. Assim, o
existencialismo é um *humanismo. Logo, a consciência é, portanto, o elemento
central dessa busca de sentido, e é essa consciência que revela a existência do
*outro, sem a qual ela não pode existir, já que a consciência só existe através
daquilo de que é consciência. Sua obra principal que trata desse tema é O Ser e o Nada (1943). A *liberdade para
Sartre é uma das características mais fundamentais da existência humana.
Segundo ele, paradoxalmente, “o homem está condenado a ser livre”, e precisa
assumir essa liberdade vivendo autenticamente seu projeto de vida – seu
engajamento – recusando os papéis sociais que lhe são impostos pelas normas
convencionais da sociedade. É assim que “nós somos aquilo que fazemos do que
fazem de nós”.
Neste trabalho analisarei o engajamento de Sartre por meio da Literatura (prosa) e sua crítica ao
psicologismo, à arte, poesia e música.
SARTE, JEAN-PAUL (1905-1980)
Segundo Sartre, é preciso decifrar o sujeito. Linguagem é fala; práxis
humana. Quando falo, existo no mundo; quando faço estou sendo no mundo. (interiorização
e exteriorização). Para Sartre, o sujeito da experiência é livre. Sem
consciência, sem ego, sem substancialidade, a sua identidade está na
experiência, Sartre fala com essa propriedade porque participou da guerra.
Dialética é diferente de estrutura. As estruturas são fixas, a dialética não.
Para Husserl, a fenomenologia é o
estudo das essências; para Sartre, a existência precede a essência.
Sartre foi um filósofo engajado, e, segundo ele, a literatura, é
o meio autêntico de se engajar e interferir na realidade mundana, a sociedade.
Para defender seu método de engajamento criticou em especial o psicologismo, a
arte, a poesia e a música.
Psicologismo:
Para os empiristas positivistas o conhecimento se dá a posteriori, após
a experiência de estar diante do objeto, observando-o enquanto submetido a
algum método de intervenção sobre ele. Antes disso só há hipóteses a priori, e
estas, sem método não passa de especulação, de meras hipóteses, de teses. Se
referindo à psicologia Sartre escreve:
A psicologia é uma disciplina que
pretende ser positiva, isto é, quer obter seus recursos exclusivamente da
experiência. Certamente não estamos mais no tempo dos associacionistas, e os
psicólogos contemporâneos não se proíbem de interrogar e de interpretar. Mas
eles querem estar diante do objeto como o físico diante do dele. Além disso, é
preciso limitar esse conceito de experiência, quando se fala da psicologia
contemporânea, pois afinal pode haver uma quantidade de experiências diversas
e, por exemplo, pode-se ter que decidir se existe ou não uma experiência das
essências ou dos valores, ou uma experiência religiosa. [...] (SARTRE, Jean-Paul. Esboço para uma teoria das emoções. P. 13. Coleção L&PM POCKET.
Porto Alegre – RS – Brasil. 2013)
Outra discussão entre os psicologistas é
quanto ao método da experiência; dois deles estão em seus horizontes: a
percepção espaço-temporal dos corpos organizados, e o conhecimento intuitivo de
nós mesmos que chamamos experiência reflexiva. Se há entre eles debate sobre o
método citado acima, deve-se perguntar: esses dois tipos de informações são
complementares? Deve-se subordinar um ao outro ou convém descartar
decididamente um deles? Mas eles estão de acordo quanto a um princípio
essencial: “a investigação deve partir antes de tudo dos fatos”. Quanto a essa
conclusão Sartre argumenta:
Se nos perguntarmos o que é um fato,
vemos que ele se define como algo que se deve encontrar no curso de uma
pesquisa, e que se apresenta sempre como um enriquecimento inesperado e uma
novidade em relação aos fatos anteriores. Portanto, não se deve esperar dos
fatos que eles se organizem por si mesmos numa totalidade sintética que
forneceria por si mesma sua significação. Em outras palavras, se é chamada
antropologia uma disciplina que visaria a definir a essência do homem e a
condição humana, a psicologia – mesmo a psicologia do homem – não é e nunca
será uma antropologia. Ela não quer definir e limitar a priori o objeto de sua pesquisa. A noção de homem que ela aceita
é inteiramente empírica: há no mundo um certo número de criaturas que oferecem
à experiência caracteres análogos. [...] (Ibid.
p. 14)
Arte:
Para Sartre, o engajamento só é possível por meio da literatura, em
especial a prosa, pois esta se expressa por meio dos signos, da fala falada e
suas ambiguidades, algo impossível à arte, poesia e música que são coisas
determinadas, isto é, estão sujeitas às regras predeterminadas, desprovidos de
sentidos ambíguos.
A prosa é o lugar do signo,
significado; a poesia trata a fala como coisa, está sujeita a um método, à
métrica; para os poetas significado é coisa, a palavra é imagem do mundo, a
frase é um objeto, um mito do homem. Pelo contrário, a prosa é utilitária; o
prosador é servo da palavra. Para a poesia não existe o signo e sim a coisa. A
coisa é fixa. O poeta tira a ambiguidade e trata as palavras como coisa; boa
poesia tem que estar sujeito à métrica. Boa música tem que estar sujeita ao
método musical, toda e qualquer variante está limitada à matemática do método,
logo, engessada; por mais variações que possa haver não passa de combinações
harmônicas dependentes das mesmas notas, seus tons e semitons. Na arte
pictórica não se se separa o fundo (base) da forma (pintura). Assim sendo, como
coisas determinadas, torna-se “impossível” o engajamento por meio delas.
Segundo dicionário da língua
portuguesa, prosa: Modo de falar, dizer, escrever, mais ou menos natural,
segundo o hábito e uso natural da vida; aquilo que se diz e escreve em oposição
a poesia, / fig. O que há de vulgar,
de trivial, de ordinário, de material, de positivo, de menos poético.
Sartre:
[...] Na verdade, a poesia não se serve
de palavras; eu diria antes que ela as serve. Os poetas são homens que se
recusam a utilizar a linguagem. Ora, como é na linguagem e pela linguagem,
concebida como uma espécie de instrumento que se opera em busca da verdade, não
se deve imaginar que os poetas pretendem discernir o verdadeiro, ou dá-lo a
conhecer. [...] Na verdade, o poeta se afastou por completo da
linguagem-instrumento; escolheu de uma vez por todas a atitude poética que
considera as palavras como coisas e não como signos. [...] (SARTRE, Jean-Paul. O QUE É LITERATUARA, P.13. Ed. Ática, 2004)
Ao contrário: “O escritor é um
falador, designa, demonstra, ordena, recusa, interpreta, suplica, insulta,
persuade, insinua. Se o faz no vazio, nem por isso se torna poeta: é um
prosador que fala para não dizer nada. Já vimos suficientemente a linguagem
pelo avesso; convém agora, considerá-la do lado direito”. A arte da prosa é
naturalmente significante; as palavras designam objetos, não são objetos, não
se trata de saber se elas agradam ou desagradam por si próprias, mas se indica
determinada coisa corretamente no mundo, a prosa é uma atitude do espírito.
Assim a linguagem: ela é nossa carapaça
e nossas antenas, protege-nos contra os outros e informa-nos a respeito deles,
é um prolongamento dos nossos sentidos. Estamos na linguagem como em nosso
corpo; nós a sentimos espontaneamente ultrapassando-a em direção a outros fins,
tal como sentimos nossas mãos e os nossos pés; percebemos a linguagem quando é
outro que a emprega, assim como percebemos os membros alheios. (Ibid. p. 19)
CONCLUSÃO
Minha Opinião:
A crítica de Sartre não atinge a poesia bíblica, hebraica; sua ênfase
não está na rima e nem na métrica ocidental, mas, no jogo de ideias,
facilitando assim o aprendizado que se dava através dos recitais e dos
cânticos. Não havia produção literária popularizada, por isso a ênfase numa
certa prosa-poética que jogava com as ideias sobrepostas, paralelas, era útil
ao ensino e aprendizado da época. “*Lâmpada
para os meus pés é Tua palavra, e *luz
para o meu caminho”. (Salmo 119:
105) A ênfase dada ao paralelismo é facilmente percebida entre: Lâmpada e luz; pés e caminho. Ambos enaltecem a palavra revelada. Vários
livros bíblicos são poéticos, e o contexto histórico justificava tal estilo de
produção literária, pois este, naqueles idos, era o melhor meio para se educar
moralmente e ensinar outros princípios divinos.
Com relação à música, embora esteja sujeita ao
método-musical-matemático, independente do ritmo, ela nos leva à transcendência
da materialidade vivida; os gregos por meio do baile das mascaras faziam das
tragédias gregas um culto transcendental, naqueles idos eles já buscavam a
transcendência mística, aquelas reuniões embaladas pelo som, os levavam a
superar a tristeza pela perda de seus jovens guerreiros. Os jovens gregos se
inspiravam na imortalidade de seus deuses, eram assim, iludidos a pensarem que,
se morressem em combate seriam semelhantes aos deuses, imortais. E assim, diante da morte dos soldados seus
familiares recorriam àquelas reuniões trágicas para superarem suas tristezas,
tentando dar sentido ao viver sem sentido que os politeístas órficos induzia-os.
A música tem esse poder, de fazer-nos transcender do estado natural ao místico.
Os africanos, ao som dos tambores transcendem com o intuito de superarem seu
sofrimento, e assim, cada um de nós, independente de cultura e/ou religião, nos
apegamos aos diferentes ritmos sacros ou não para superarmos a dureza que o sobreviver
impõe-nos, ou, por alguns minutos esquecer e/ou encontrar forças para superar
nossos problemas pessoais. Assim sendo, a música tem seu valor no engajamento e
reengajamento do homem na vida vivida, na história. A música “Sacra”, evangélica
ou gospel, nos dias atuais estão se fundindo ao estilo mundano, popular; tanto no ritmo, quanto nas letras e modos de se apresentar. A busca pela popularidade e o comércio
evangélico dessa arte, está tornando difícil distinguir o sacro do profano. Assim fica difícil para o sacro ser um instrumento divino para engajar pessoas aos princípios bíblicos, divino. Deus e Sua obra não precisa dessa fusão, Satanás sim. Já é passada a hora dos professos
seguidores de Cristo saber a quem servir com todo o entendimento. Se Deus,
segui-O, se Satanás, segui-o, o que não pode é tentar seguir a ambos, pois,
isto é impossível na obra de Deus. Os púlpitos eletrônicos (TVs) estão formando
uma nova lógica cristã, “cristãos” destituídos dos princípios bíblicos, adeptos
dos modismos mundanos, tudo isso, na maioria das vezes, para se promover
pessoalmente em nome de Deus ou da religião. “Por ventura, quando vier o filho
do homem encontrará fé na Terra”?
A arte, segundo a semiótica, é também um tipo de linguagem simbólica, e,
de algum modo, ela consegue engajar alguém, uns poucos, mas consegue. A
dificuldade que vejo aos artistas dessa área é fazer com que esta se torne
popular como é a literatura e a música, de modo que a população em
geral possa se engajar no mundo por meio dela. Ver e entender o mundo através
da arte é possível, mas é para poucos, mas nem por isso não tem a sua utilidade
cognitiva, logo, capaz de engajamento. A prosa tem sua vantagem por poder
trabalhar com todos os signos, superando-os de suas limitações predeterminadas
pelos métodos; transcendendo-os à ambiguidade da prosa. É esta, entendo eu, a
“superioridade” da prosa sobre os outros meios de expressão: poder utilizar-se dessas
“coisas” transformando-as em signos, meios de engajamentos.
Nosso planeta é o mundo das contingências, logo, há poesia, arte, música
e literaturas boas e ruins, bons e ruins são subjetivos. O fato de ser sacra
não as faz boas, e o de não ser sacras não as faz ruins, logo, há o sacro bom e
o ruim, como há o popular bom e ruim. Bons e ruins em ritmo, letras e
interpretações sempre existiram e sempre existirá; entendo que o que é bom
consegue se engajar melhor que o ruim, que, naturalmente, tende-se a “desaparecer”,
cair no esquecimento.
Filósofo Isaías Correia Ribas