Estudo ou ciência dos fenômenos.
Esta começou no início do século XX com alguns indícios no século XIX. Fenômeno
é tudo o que aparece à nossa mente, logo, uma experiência própria, individual.
Os fenômenos ou imagens aparecem-me dos objetos abstratos, concretos e metafísicos.
Por exemplo: de um pensamento, de uma pedra e da ideia de deus com seus rituais.
Em síntese, vivemos em meio aos fenômenos de toda natureza, e cada indivíduo,
fundamentado em sua cultura e conhecimentos interpreta as imagens que lhe
aparecem por meio dos sentidos. E essa interpretação é a sua verdade, mas o
subjetivismo não deve ser, e não é, o fundamento universal e necessário da
verdade. O subjetivismo é contingente, isto é, pode estar errado ou não, mas toda
pretensa verdade deve ser submetida à validade universal e necessária. Mas, apesar
da legalidade universal e necessária, cada indivíduo e grupos se orientam pela
sua visão de mundo, a sua verdade, e assim, aparece as complexo fenômenos
filosóficos-político-religioso nas diferentes partes do planeta, onde, cada um
busca impor sua verdade aos outros como meio de saída das crises fenomênicas da
atualidade.
O pensamento
Eu penso ou o pensamento aparece para eu poder pensar? O ser humano
difere de todos os outros entes animados do mundo. Somos mutáveis
cognitivamente e essa mutação é a origem das diferentes culturas, mas
independente de culturas, o homem é capaz de desenvolver o pensamento e
executar o pensado; e nessa execução do pensado ocorre às evoluções e
involuções sociais. Então, pensar é a chave do sucesso pessoal, familiar e comunitário.
Quando os conhecimentos formal e informal estão associados, e não pode ser
diferente, ao pensamento, a riqueza cognitiva aparece e muitos males que estão
fundamentados na ignorância tendem a desaparecer da sociedade. Por isso, o
Estado, para ser desenvolvido à luz do conhecimento contemporâneo, precisa
valorizar e dar educação formal de qualidade para todos os seus indivíduos,
cidadãos.
Todos nós estamos condicionados e às vezes determinados por algo
necessário, por exemplo: às necessidades fisiológicas, ao amor nas suas várias
formas, à tristeza, a dor, à alegria, ao ódio, à empatia, à religiosidade, à
curiosidade, às doenças, etc. e finalmente à morte. Porém, há algo superior em
cada indivíduo que pode controlar alguns desses condicionamentos e
determinações naturais, esse algo se chama razão, raciocínio, pensamento ou o logos. Quanto mais conhecemos, a razão cognitiva se
amplia e consequentemente teremos mais em que pensar; um grau de consciência
maior e como desenvolver o pensamento. Então, autoconhecimento e
autoconsciência estão descartados. Sábio é quem controla a si mesmo
racionalmente, este, dificilmente será regido pelas paixões naturais e
conhecimentos falaciosos.
Pedra
Pegue uma pedra e tente vê-la de uma só vez em todos os ângulos. Quando
olho para a pedra que está em minha mão, pelos sentidos ela aparece em minha
mente e eu passo a perceber a sua dureza, sua cor e sua rusticidade, mas, é
impossível apreendê-la de imediato em sua totalidade, mas, é possível
apreendê-la por etapas; na medida em que vou girando a pedra em minha mão, a
mente, que tem a capacidade de registrar os fenômenos vai interligando às
diversas fases até que tenho consciência de toda a pedra e assim, o homem passa
a conhecer os fenômenos mentais e as coisas. Melhor, conheço as coisas pelos
fenômenos sensível-mentais. Pensando com maior profundidade, o homem, e suas
constituições harmoniosa-psíquico-físico é o maior fenômeno desse universo
finito-natural.
Metafísica
Entende-se por metafísica qualquer
discurso abstrato ou temas ligados a Deus, especialmente ao Deus bíblico, o Criador
do Universo animado e inanimado, pois, não temos nenhuma ideia de como Ele é, a
não ser àqueles que veem em Jesus Cristo a revelação deste Deus. Além deste
Deus invisível, há outros milhares de deuses feitos pelos homens, os
mitológicos, as imagens de esculturas religiosas e o próprio conhecimento. O
fenômeno que pretendo apresentar, para a reflexão filosófica do leitor é: “os homens, entes de razão, têm atitudes irracionais
quando se trata da metafísica religiosa, especialmente com relação a fé”. O homem, repito, é
naturalmente religioso, isto é, ele precisa acreditar em algo superior, e esse
algo é o seu deus, logo, o homem precisa transcender, ir além da simples
natureza, pois, isso é muito pouco para um ser de razão, que se diz conhecer,
que planeja e executa o planejado. O ateu é ateu por não acreditar em nenhuma
forma de deus criador, mitológico e imagens de esculturas, mas ele não está
livre das crenças. Quando se crê no conhecimento como a saída para todos os
problemas da humanidade não deixa de ser uma crença, e quando ele percebe que o
seu conhecimento não resolve todos os seus problemas e os do mundo, o ateu
também se decepciona, ele também entra em crise existencial como qualquer outro
crente, ele também passa a duvidar do conhecimento como a saída para todos os
males e bens. Analisando friamente, todas as nações e povos estão fundamentados
em uma crença, e muitas vezes crenças aparentemente absurdas quando olho a
partir de minha ótica religiosa ou posição cognitiva. Logo, o Estado laico é
uma invenção moderna, uma ilusão político-filosófica de uns poucos que
pretendem viver dessa ilusão sem metafísica, ou melhor, sem o temor dos deuses,
isso, para questionar, na prática, a política Medieval que dominava todos em
nome dos deuses. O problema é, querem eliminar a fé, as crenças e os deuses,
mas, continuam na prática da política Medieval, isto é, ignorância cognitiva
generalizada aos trabalhadores e operários em geral. E assim, os princípios éticos
e costumes morais estão sendo extintos e as nações estão entrando em crise
existencial por ignorar, na prática, a existência dos deuses e principalmente
do Deus Criador do Universo.
Analisarei a fenomenologia religiosa
a partir da crise existencial do filósofo e teólogo de Copenhague, o
dinamarquês, Kierkegaard, Sören Aabye (1813-1855).
Para Kierkegaard, na espécie animal, vale o princípio: o indivíduo é inferior ao gênero. Já, no gênero
humano é o contrário: o indivíduo é superior
ao gênero. Isto se dá porque cada pessoa é criada à imagem de Deus. É dentro do
cristianismo, na defesa do indivíduo que se concretiza e desenvolve todo
trabalho filosófico de Kierkegaard. Seu primeiro trabalho, Conceito de Ironia (1841), ele contrapõe o empenho ético da ironia
socrática à ironia romântica. Ironia socrática: maiêutica (método de indagação
ao indivíduo a partir de seu próprio pensamento para leva-lo a cair em contradição,
percebendo assim, que nada sabia do que pensava saber); ironia romântica:
filosofia de Hegel (que, em nome do Eu absoluto, não leva a realidade a sério).
Segundo Kierkegaard, A vida finita do indivíduo é caracterizada pela escolha. É
a vida da fé que constitui a forma verdadeiramente autêntica da existência
finita, vida como o encontro do indivíduo com a singularidade Deus.
A questão do significado da fé está na obra “Temor e Tremor” (1843). A fé vai além do princípio ético da vida.
Abraão, em nome da fé em Deus, levanta o punhal sobre seu próprio filho. A
questão é: como sabia Abraão que era realmente Deus que lhe ordenava matar o
próprio filho Isaac? Então, se aceitamos a fé, como Abraão, a autêntica vida
religiosa é um paradoxo: pois a fé em Deus, que ordena matar o filho, e o
princípio moral que ensina amar o próprio filho entra em conflito e leva o
crente a ser posto diante da escolha trágica.
A fé é paradoxo, e a angústia deriva da possibilidade infinita que tenho
diante de Deus. E é ao problema da angústia como modo de ser do indivíduo, sua
existência, que kierkegaard dedica O
conceito da angústia de 1844. “A angústia é a possibilidade da liberdade:
somente essa angústia, através da fé, tem a capacidade de formar absolutamente,
enquanto destrói todas as finitudes, descobrindo todas as suas ilusões”. A angústia forma o discípulo da possibilidade e prepara “o
cavaleiro da fé”.
Em 1844 ele publicou Migalhas
Filosóficas onde examina a ideia de maiêutica religiosa, analisando o
significado da categoria do possível. Entretanto, em 1843 a publicação de: A repetição, onde, ao ideal estético da
vida, é contraposta a reconquista de si, isto é, a autêntica existência através
da fé. E em: Estágios no caminho da vida
(1845), também examina o mesmo tema. E em: A
doença mortal (1849), analisando as obras anteriores, Kierkegaard contrapõe
o desespero, que é a verdadeira doença mortal, à salvação da fé, sustentando
que, fora da fé, só existe desespero.
No último ano de sua vida ele publicou nove fascículos do periódico “Momento”, que pretendia, através do
qual, restaurar o verdadeiro sentido do genuíno cristianismo. Em forte polêmica
com os religiosos, Kierkegaard teve o último período de sua vida ainda mais
amargurado em virtude de uma série de ataques quase cotidianos de um jornal
humorístico “O Corsário”.
Além disso, tem fundamental importância o seu Diário que ocupa quase
cinco mil páginas dos vinte volumes que compõe a edição póstuma de suas
“Cartas”. Essas cartas começaram ser escritas em 1833 quando ele tinha pouco
mais de vinte anos, chegando até setembro de 1855, menos de dois meses antes de
sua morte. Segundo Cornélio Fabro, o Diário
revela o espírito e o pensamento de Kierkegaard melhor do que qualquer outro
escrito seu, pela intimidade e sinceridade, pela vastidão de dimensões que o
seu espírito alcança, pela profundidade de análise do homem interior e pela
comoção de estilo que se aproximam das Confissões de santo Agostinho. Lendo
suas obras não é difícil perceber que seu pensamento é essencialmente
religioso: é a defesa da existência do indivíduo, existência que se torna
autêntica diante da transcendência de Deus. O indivíduo e Deus e a relação do
indivíduo com Deus, são estes os temas da filosofia de Kierkegaard, uma autobiografia
teológica. Assim ele se expressou: “o cristianismo não existe mais aqui, mas,
para que se possa falar em revê-lo, era preciso despedaçar o coração de um
poeta – e esse poeta sou eu”. O poeta cristão
que “não crê em si mesmo, mas somente em Deus”, afirma em “O Momento” que
morria tranquilo: “a luta acabou e ele se declara infinitamente grato à
Providência, que lhe concedeu de sofrer para propagar a ideia do cristianismo
como “verdade sofredora”. E a verdade cristã, por meio da escola do sofrimento,
o tornara livre: “Humilhado através da tremenda escola, também adquiri a
franqueza””.
Crítica de Kierkegaard ao sistema hegeliano
Com corajosa franqueza e em nome da
realidade que é o indivíduo, ele ataca a filosofia especulativa, especialmente
o sistema hegeliano. Diz ele: “A existência corresponde à realidade singular,
ao Indivíduo (o que Aristóteles já ensinou): ela permanece de fora e de
qualquer forma não coincide com o conceito (...). Um homem singular certamente
não tem existência conceitual”. Mas, reafirma
Kierkegaard, a filosofia pareceu somente interessada no conceito, ignorando o
que eu e tu podemos ser como existentes concretos; a filosofia se preocupa com
o homem em geral, com o conceito de homem. Mas a nossa existência não é em absoluto
um conceito. O indivíduo é o ponto que Kierkegaard enfatiza para invalidar as
pretensões do sistema. Confessa ele: “Se eu devesse encomendar um epitáfio para
o meu túmulo, não pediria mais do que ‘aquele indivíduo’, ainda que, agora,
essa categoria não seja compreendida. Mas o será mais tarde. Com essa
categoria, ‘o Indivíduo’, quando tudo aqui era sistema em cima de sistema, eu
tomei polemicamente o sistema como alvo e, agora, não se fala mais de sistema”.
Kierkegaard ligava a sua própria importância histórica à categoria de
“Indivíduo”, vinculando-a também ao descaramento da mentira contida nos
sistemas filosóficos que, precisamente, se interessavam pelos conceitos e não
pela existência. “Isso acontece com a maioria dos filósofos em relação aos seus
sistemas, como se alguém construísse um enorme castelo e depois, por sua
própria conta, fosse morar em celeiro. Eles não vivem pessoalmente em seus
enormes edifícios sistemáticos. Essa é e permanece (...) acusação decisiva”. E essa acusação se dirige a Hegel, cuja pretensão de
“explicar tudo” e demonstrar a “necessidade” de todo acontecimento. O sistema
não consegue engaiolar a existência, revelando-se assim, uma contrafação, uma
caricatura do que existe de singular na existência do indivíduo. A figura
sistemática é cômica, a figura de Hegel é cômica. É cômica a situação do espírito
sistemático, que acredita poder dizer tudo e está persuadido de que o
incompreensível seja algo fácil e secundário. Por
isso, diz Kierkegaard: “brandi a brincadeira da ironia (...) contra a horrorosa
solenidade dos especuladores”.
Kierkegaard é mais duro contra Hegel que Schopenhauer; ele chega dizer,
o hegelianismo, “esse brilhante espírito de podridão, é a mais repugnante de
todas as formas de libertinagem, uma murcha pompa, abominável pompa corruptora.
Afirma ele: Antes de Hegel, (...) houve filósofos que tentaram explicar a
história. E a Providência só podia sorrir ao ver essas tentativas. Mas não se
entregou ao riso desenfreado, porque neles havia sinceridade humana e
honestidade. Mas Hegel! Aqui, necessito da linguagem de Homero. A que explosão
não devem ter-se entregado os deuses! Um professorzinho tão sem graça, que
pretende simplesmente ter descoberto a necessidade de toda coisa (...) e ei-lo
agora dedicado a tocar toda a sua música no seu organum-zinho: escutai,
portanto, ó deuses do Olimpo”!
Segundo Schopenhauer,
Hegel, que se declarava fiel protestante
e nunca foi membro de qualquer grupo esotérico ou sociedade secreta, recebia,
no entanto, dinheiro de agremiações maçônicas interessadas em promover a ideia
de uma Religião de Estado para se substituir à igreja cristã (católica ou
reformada). Com requintada habilidade sofística, o autor da Filosofia da
História argumenta, de fato, em favor do cristianismo, mas sublinhando que, como
Estado moderno incorpora e realiza em suas leis a essência perfeita do
cristianismo, a igreja tornou-se desnecessária e o Estado vem a ser a suprema
autoridade religiosa. Isso não faz de Hegel um intelectual de aluguel, pois a
opinião que ele aí expressa não é só de quem lhe paga, mas também a sua
própria. (...) Ele acaba se colocando, meio às tontas, a serviço da causa que
mais nitidamente caracteriza a política do Anticristo sobre a terra: investir o
Estado de autoridade espiritual, restaurar o culto de César, banir deste mundo
a liberdade interior que é o reino de Cristo.
(SCHOPENHAUER,
Artur. Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão Em 38 Estratagemas.
(Dialética Erística) p. 51, Ed. TOPBOOKS. Rio de Janeiro – 2003)
Kierkegaard: Hegel pretende ver as coisas com os olhos de Deus, de saber
tudo, mas cai no ridículo; o seu sistema esquece a existência, isto é, o
Indivíduo. Sua filosofia não se apoia em pressuposto equivocado, mas em
“fundamento ridículo”: presume falar do absoluto e não compreende a existência
humana. “O corvo que perde o queijo por culpa da eloquência – eis uma imagem da
doutrina idealista, que, depois que tudo se perdeu nada mais mantém senão a si
mesma”. Para Kierkegaard, todo sistema é ridículo, não valendo a pena discutir
os princípios do sistema hegeliano. Um sistema que não interessa; que não tem
importância. Ele não é importante para compreender a existência: “o Indivíduo”,
a ética e a religiosidade, logo, está sempre e de qualquer modo fora do
sistema.
Kierkegaad não discute os princípios de Hegel. Ele procura deslocar os
interesses da filosofia: Para ele, a filosofia não é sistema especulativo, e sim o
diário íntimo de existência irrepetível. Em seu Diário, de 1844, perguntava-se Kierkegaard: “Por que, em nossos
dias, a filosofia assumiu andamento tão enganoso e não diz palavra como os
autores individuais se comportam? Não se
consegue compreendê-los, porque não sabem como é que eles próprios existem.
Assim, até as obras de primeira ordem escondem frequentemente a mentira: o
autor não compreendeu a si mesmo, mas sim esta ou aquela ciência, coisa bem
mais fácil do que compreender a si mesmo”.
Tempo e Eternidade
O ‘Indivíduo’ é a categoria pela qual
devem passar do ponto de vista religioso, o tempo, a história e a humanidade.
Para Hegel, o que conta, como na espécie biológica, não é o Indivíduo, e sim a
humanidade. Mas, para Kierkegaard, o Indivíduo conta mais que a espécie: o
Indivíduo é a contestação e a rejeição do sistema. E, ao mesmo tempo, também é
o Indivíduo – original, irredutível, insubstituível – que põem em xeque todas
as formas de imanentismo e de panteísmo, com as quais se tenta reduzir, isto é,
reabsorver o individual no universo. ‘O Indivíduo’: é com essa categoria que se
mantém ou cai à causa do cristianismo (...). O Indivíduo é e permanece sendo a
âncora que detém a confusão panteísta; é e permanece sendo o peso com o qual se
pode comprimi-la.
O “Indivíduo” e a fé são correlatos. Para Kierkegaard, a fé, isto é, o
fato de ser cristão constitui o dado central da própria existência. Mas, uma
vez assumido esse dado, logo se vê que a filosofia e o cristianismo nunca se
deixam conciliar. Em outros termos, o crente não pode filosofar como se a
Revelação não houvesse ocorrido. Com Cristo, tivemos a irrupção do eterno no
tempo. E, para o conhecimento cristão, esse fato é absoluto, que, enquanto tal,
não precisa ser demonstrado, pela simples razão de que os fatos não são para
serem demonstrados, e sim para serem aceitos ou rejeitados. Quanto ao absoluto,
“não podemos dar razões: no máximo, podemos dar razões que não existem razões”. Logo, a verdade cristã não é para ser demonstrada, mas
testemunhada, reproduzindo assim, a Revelação na própria vida, “sem reservar,
para o caso de necessidade, um esconderijo para si mesmo e um beijo de Judas
para as consequências”. Logo, isso implica em testemunho total, porque, no que se refere a Deus, é
impossível assumi-lo “até certo ponto”, pelo fato de que Deus é a negação de
tudo o que é “até certo ponto”. Kierkegaard, “tanto para mim, tanto para a
simples doméstica como para o professor, há em expectativa o sumo bem, a bem
aventurança eterna”. Mas, eu ouvi dizer que o cristianismo
é a condição para obter esse bem. E agora me pergunto: “Como posso eu
reportar-me a essa doutrina”?
Kierkegaard contesta
a especulação do cristianismo; a tentativa de justificá-lo com a filosofia. O
cristianismo não se trata de justificar, mas de crer. E, para crer, não é
necessário ser contemporâneo de Jesus, pois, pelo fato de ver um homem não é
suficiente para fazer-me crer que aquele homem é Deus. Afirma Kierkegaard: “os
milhões de homens que têm como lei da existência o “antes ser como os outros”
constitui uma massa de macacos que dá a impressão de ser alguma coisa, muito,
uma força imensa. E, aparentemente, as coisas parecem ser assim, “mas
idealmente toda essa massa, esses milhões, não conta nada: trata-se de
existências desperdiçadas e perdidas”. Deus teve tal misericórdia dos homens a
ponto de conceder a graça de querer se pôr em contato com cada Indivíduo. Por
isso, quando os homens preferem ser como os outros, isso é delito de
lesa-majestade contra Deus. A massa dos macaquinhos é culpada de
lesa-majestade! E a punição será que Deus os ignorará”!
O princípio do Cristianismo
O homem como Indivíduo, deve ter a
coragem de relacionar-se com Deus, em relação com Deus e não com os outros.
Isso significa que o homem não pode absolutamente nada, que é Deus quem dá
tudo, que possibilita ao homem crer etc. Isso é a graça, e aí temos o princípio
do cristianismo. Em suma, o cristianismo é a verdade por parte de Deus e não
por parte do homem. Por isso, “professores” e “pastores” são unicamente
canalhas: sua função seria a de satisfazer
a eternidade, mas eles pretendem
satisfazer o tempo; trata-se de “velhacos”, que consideram que é mais
cômodo adular os contemporâneos. Esses canalhas, como Goethe, Hegel e, entre
nós, Mynster, pregando ou pelo menos levando a efeito o princípio de que a
verdadeira seriedade é satisfazer o tempo. Kierkegaard posicionou-se ao lado da
vida cristã, não para demonstrá-la ou falar inutilmente sobre ela – coisa que
os pastores e professores já fazem – Mas, muito mais para experimenta-la em sua
própria existência: Eu me consagrei a esclarecer o que é o cristianismo,
impelido por necessidade pessoal e também porque compreendi que era disso que o
nosso tempo tinha necessidade (...). O cristianismo e o dever cristão
constituíram a tarefa de minha vida, porque, com piedade profunda, compreendia
que até a mais longa vida não seria demais para essa tarefa.
Possibilidade, Angústia e Desespero:
O animal tem uma essência, portanto, ele é determinado; a essência é o
reino do necessário, cujas leis a ciência procura. A existência, ao contrário é
o reino do devir, do contingente e, portanto, da história. Em síntese, a
existência é o reino da liberdade: o homem é o que ele escolhe ser, é o que se
torna, logo, o modo de ser da existência não é a realidade ou a
necessidade, e sim a possibilidade.
Segundo WHITE, G. Ellen (1827-1915), profetisa
contemporânea:
“Lembrai-vos de que vossa
responsabilidade não se mede por vossos recursos e aptidões atuais, mas pelas
faculdades originalmente concedidas e as possibilidades de desenvolvimento”. (WHITE,
G. Ellen. Testemunhos Seletos. V.. II. P. 159. ed. Casa Publicadora Brasileira
– Santo andré, São Paulo, 1985)
Kierkegaard: “a possibilidade é a mais pesada das
categorias”. É verdade que se ouve dizer o
contrário, que a possibilidade é muito leve comparada com a realidade, sendo
esta muito pesada. Mas esses discursos provêm de “homens miseráveis”, que confundem
a possibilidade com aquela “invenção falaz que os homens, em sua corrupção,
brandem para terem menos um pretexto para lamentarem-se da vida e da
providência e para terem uma oportunidade de se tornarem importantes aos seus
próprios olhos”. “Na possibilidade, tudo é igualmente possível”. A existência é liberdade, é poder ser, isto é, possibilidade:
possibilidade de não escolher, de ficar paralisado, de escolher e de se perder
– possibilidade como “ameaça do nada”. A realidade é que a existência é
possibilidade e, portanto, angústia. A angústia é o puro sentimento do
possível, é o sentido daquilo que pode acontecer e que pode ser muito mais terrível que a realidade. Logo, a realidade é
muito mais leve que a possibilidade.
O possível corresponde ao futuro.
Para a liberdade o possível é o futuro. E, para o tempo, o futuro é o possível.
Por isso, angústia e futuro estão conjugados. Logo, a angústia caracteriza a
condição humana: Quem vive consciente no pecado, quer se arrepender; quem se
arrependeu vive na angústia de não recair; o importante é compreender que a
angústia é a forma de destruir todas as finitudes, descobrindo todas as suas
ilusões. Nenhum juiz sabe examinar o acusado tão fundo quanto à angústia, que
não o deixa escapar nunca, nem na diversão, nem na algazarra, nem no trabalho,
nem de dia ou de noite. A angústia pode levar à tentação do suicídio, mas isso
significa submeter-se à angústia, não aprender em sua escola.
“O que verdadeiramente importa, ao
contrário, é dar boas vindas à angústia, fazê-la entrar no espírito, deixar que
o perquira e permitir-lhe esmagar “todos os pensamentos finitos e mesquinhos”.
E é desse modo que “Deus, que quer ser amado, desce, com a ajuda da inquietude,
à caça do homem”. E, enquanto a angústia é típica do homem na sua relação com o
mundo, o desespero é próprio do homem na sua relação consigo mesmo”.
Kierkegaard, o
desespero é a culpa do homem que não sabe se aceitar a si mesmo em sua
profundidade. Algumas vezes, odiando a existência quer ser tão plenamente ele
mesmo a ponto de transformar em horrível deus, outras vezes, sai de si mesmo e
dissipa na distração. Em ambos os casos, há um mal-entendido consigo mesmo. E
tanto buscando quanto fugindo, ele não se possui. E daí o desespero. O
desespero é doença mortal: “eterno morrer, sem, no entanto morrer”,
“autodestruição impotente”. Do ponto de vista cristão, “sequer a morte é
‘doença mortal’, muito menos qualquer sofrimento terreno e temporal, pobreza,
doença, miséria, tribulações, adversidades, tormentos, penas espirituais, lutos
e fadigas”. A morte pode ser o fim da doença, mas, no sentido cristão, a morte
não é o fim. A doença mortal só pode ser a morte quando a morte for o fim. E aí
está precisamente o desespero. Segundo Kierkegaard, “o desespero é viver a
morte do eu”. Assim, todo homem é desesperado;
talvez aquele que não sente nenhum desespero, seja o mais desesperado.
A ciência e o cientificismo
Segundo Kierkegaard, “é Deus que tem
a precedência”, antecedência no tempo, na ordem ou no lugar. Consequentemente,
a ciência deste mundo não tem muita importância; para o cristão, a existência
autêntica estabelece-se no plano da fé: como forma de vida, logo, *a ciência é existência inautêntica.
“Considerar a descoberta ao microscópio como pequeno passatempo ou uma pequena
perda de tempo, tudo bem, mas considera-la como coisa séria é tolice”. E a
“Hipocrisia” consiste em dizer que as ciências levam a Deus. O que Kierkegaard
combate é a apologética “científica”. A revolta de dele é contra os homens que
se dizem superiores, que gostariam fazer de Deus um artista fenomenal que nem
todos estão em condições de compreender. Mas ninguém, absolutamente ninguém,
pode compreender Deus: o mais sábio deve se ater humildemente à “mesma coisa”
que o ingênuo. Esta é a profundidade da ignorância socrática: ‘conhece-te a ti
mesmo’.
Se o naturalista que quer compreender
a Deus com a sua ciência é hipócrita, também é verdade que é funesto e perigoso
levar tal cientificidade para a esfera do espírito: que se trate desse modo as
plantas, as estrelas e as pedras; mas tratar assim o espírito humano serve
somente para enfraquecer a ética e a religiosidade, pois estes problemas não
podem ser resolvidos pela observação ao microscópio. Tais naturalistas escreve
Kierkegaard em seu Diário, “querem liquidar Deus completamente, como supérfluo,
substituindo-O pelas leis naturais” e presumindo que, “no fundo o homem se
transforma em Deus”. A presunção dos cientistas se expressa na luta contra Deus
e tende a criar “toda uma multidão de homens que fará das ciências naturais a
sua religião”. Isso, porém, é pura loucura. As ciências naturais não podem dar
mais do que a si próprias – e não são nem ética e nem religião. O que realmente
esses querem é gozar a vida de forma pagã. Deus não se preocupou em revelar aos
homens a máquina a vapor ou a arte de impressão, precisamente para levar os
homens a alguma confusão, com o propósito de servir de escândalo para todos os
naturalistas, para todo o distinto público científico, para todas as sociedades
pela difusão das ciências naturais, para todos juntos – ‘um por todos e todos por um’.
Teologia científica
Sendo assim, é evidente a situação
cômica e trágica em que se encontra a teologia. A ciência teológica também
deseja muito ser ciência, mas também nisso deverá perder a aposta. Se não fosse
séria seria cômico pensar a penosa situação da ciência teológica; mas ela
merece, pois isso é consequência de sua cobiça em querer se arvorar em ciência.
Para Kierkegaard, “a teologia é incrédula”, carece de franqueza diante de Deus
e age de má fé em relação à sagrada escritura. Lutero fez um decreto no
seguinte teor “Nosso Senhor pouco se importa com as ciências naturais”. É
insensato propor uma teologia científica, como também, é insensato, uma
teologia sistemática (isto é, hegeliana).
Faz se desse modo só porque tem medo e não tem fé. Por mais que as ciências naturais tenham
razão do ponto de vista da ciência, erram o alvo da religião; e os teólogos ou
religiosos precisam de coragem pessoal para ousar temer a Deus mais que aos
homens. A pesquisa científica não tem fim, não se conclui nunca. E, “se o
naturalista não sente esse tormento, significa que ele não é pensador”. O
pensador experimenta as pena do inferno enquanto não conseguir experimentar a
certeza do espírito. A esfera da fé está onde se trata de que ‘tu deves crer’
(ainda que todo o mundo ardesse em chamas e todos os elementos se fundissem).
Aqui, não se deve ficar esperando pelas últimas notícias do correio ou pelas
novidades dos navegantes; (porque observar ao microscópio é tão
aristocrático!), é, no entanto, a única certeza.
Kierkegaard levanta-se contra o
cientificismo positivista: “Não se pode absolutamente pensar que o homem que
tenha refletido sobre si mesmo como espírito possa ter a ideia de escolher as
ciências naturais (com matéria empírica) como tarefa das suas aspirações”.
Quando se trata de homem de talento, o naturalista tem faro e é engenhoso, mas não se compreende a si mesmo. Logo,
para que serve a genialidade científica, se esta não consegue levar-me a
compreender a mim mesmo, fazendo-me sábio para este mundo e ao mesmo tempo
fazer-me ver a realidade que transcende a ciência? Isto é, a ética e a religião
como realidades do espírito, e todos os fenômenos que a envolvem.
(Reale, Geovanni/ANTISERI, Dario.
História da Filosofia. V. III. p. 237-250. Ed. PAULUS, São Paulo, 2007).
Filósofo: Isaías Correia Ribas.