Após a conquista de Alexandre magno (o grande), da Macedônia, sobre os
Medos e Persas findou-se também o projeto de homem-cidadão, iniciando o projeto
de homem indivíduo. Alexandre pretendia fundar uma monarquia divina universal,
que deveria reunir não só as diversas cidades, mas também países e raças
diversas; deu um golpe mortal na antiga concepção de cidade-estado. Alexandre
não conseguiu realizar seu projeto por causa de sua morte precoce ocorrida em
323 a. C., e talvez também porque os tempos ainda não estavam maduros para tal
projeto. No entanto, depois de 323 a. C., formaram-se os novos reinos do Egito,
Síria, Macedônia e Pérgamo. Os novos monarcas concentraram o poder em suas mãos
e as cidades-estados perderam pouco a pouco sua liberdade e autonomia, deixaram
de fazer história como haviam feito no passado.
As novas escolas filosóficas da época helenísticas são: cinismo,
epicurismo, estoicismo, ceticismo e ecletismo. Aconteceu também nessa época o
grande florescimento das ciências particulares. Essas escolas queriam findar
com o ideal de cidadão ateniense para formar cidadãos-indivíduos do mundo, por
isso as atitudes dos filósofos eram chocantes, e nem poderia ser diferente,
pois, para quebrar paradigmas faz-se necessário chocar a cultura estabelecida. Nesse
texto analisarei três dessas escolas.
Já disse, não poucas vezes, que o
projeto primordial da filosofia é criticar os deuses mitológicos e o Deus
bíblico. Porém, os filósofos naturalistas ou Pré-Socráticos, não conseguiram
concluir seu ideal, mas, a filosofia com seu projeto epistemológico
antropocêntrico, aliada à mitologia e ao conceito de deus continuam firmes em
seu projeto peculiar: eliminar do consciente da humanidade a revelação bíblica
de que há um Deus criador e mantenedor de tudo o que há no universo. Digo
também, que sua estratégia não é simples de ser diagnosticada, por isso, ainda
hoje, a humanidade continua sendo enganada pelo discurso filosófico.
Os gregos consideravam os bárbaros,
“por natureza”, incapazes de cultura e de atividades livres, por isso eram
considerados escravos por natureza. Aristóteles defendia essas ideias.
Alexandre provou que essa teoria estava errada educando milhares de jovens
“bárbaros” nas técnicas gregas e autorizou-os a casarem com mulheres persas. Os
filósofos dessas novas escolas também contestaram essa antiga visão grega. Os
estoicos ensinaram que a verdadeira escravidão é a da ignorância e que a
liberdade do saber pode libertar quer o escravo, quer o seu senhor, pois,
aquele que escraviza também é escravo da ignorância.
Cinismo:
O principal cínico foi Diógenes. Segundo seus escritos, o homem, para
ser feliz tem que viver sem metas impostas pela sociedade como sendo
necessárias, sem morada fixa e sem conforto oferecido pelo progresso; viver
conforme a natureza, como vivem os animais. Certa vez durante um banquete
alguns lhe jogaram ossos como a um cão; Diógenes andando por ali urinou sobre
os ossos como fazem os cães quando estão sem fome. Outra vez alguém o
introduziu numa casa suntuosa e proibiu-lhe de escarrar, ele limpou bem forte a
garganta e escarrou-lhe no rosto, dizendo não ter encontrado lugar pior. Os
cínicos desprezavam os prazeres. Liberdade e virtude são: exercício e fadiga.
Eles proclamavam-se cidadãos do mundo. Certa vez Alexandre Magno disse-lhe:
pede-me o que quiseres e eu lhe darei, respondeu Diógenes: afasta-te do meu sol
que estás a fazer-me sombra; para que trabalhar para construir novas cidades se
outro Alexandre irá destruí-las. Para que guardar dinheiro para educação dos
filhos, se eles se tornarem filósofos iria distribuir ao povo, pois filósofos
não têm necessidade de nada. Nos últimos dois séculos da era pagã (III e IV d.
C.), o cinismo enfraqueceu por opressão social e imposição da política romana
que repugnavam a doutrina e a vida cínica, pois, para eles nada pode ser reto e
nada é honesto.
Os índios, habitantes das Américas
são exemplos incontestáveis de que eles descenderam da vida cínica, motivo
pelos quais eles não se deixaram escravizar pelos europeus, amantes de uma
sociedade construída à luz do antropocentrismo que escraviza em nome do viver
em sociedade organizada (grifo do
autor).
Epicurismo:
A felicidade dá-se na falta de dor e perturbação;
Para atingir a felicidade e a paz, o homem só precisa de si mesmo; não lhe
serve absolutamente de nada as cidades, as instituições, os nobres, as riquezas,
todas as coisas e nem mesmo os deuses; o homem é perfeitamente “autárquico”, autônomo,
livre. O homem deixou de ser homem-cidadão para tornar-se homem-indivíduo. “De
todas as coisas que a sabedoria busca, em vista de uma vida feliz, o maior bem
é a conquista da amizade”; “a amizade anda pela terra anunciando a todos que
devemos acordar para dar alegria uns aos outros”.
Os quatro remédios e o ideal do sábio:
1) Que são vãos os temores em relação
aos deuses e ao além;
2) Que o pavor em relação à morte é
absurdo, pois ela não é nada;
3) Que o prazer, quando o entendemos
corretamente, está à disposição de todos;
4) Que o mal dura pouco, ou, é
facilmente suportável.
Sócrates e Epicuro:
Ambos são paradigmas de duas grandes
fés, duas religiões leigas: Sócrates, a fé e a religião da “justiça”; Epicuro,
a fé e a religião da vida.
Os epicuristas e os cínicos são
naturalistas, isto é, mundanos. Para eles o mundo e todo que o compõe se basta;
e o homem sábio busca viver segundo essa lógica, sem os deuses e sem fé no que
está além mundo, e, religião é ligar-se à justiça segundo ensinou Sócrates, ou,
à vida segundo Epicuro.
Estoicismo:
Principal
filósofo, o estoico Zenão, o semita. Ele ignorava toda metafísica e qualquer
tipo de transcendência. Os estoicos e epicuristas, de modos diferentes, eram
materialistas. Os estoicos foram os fundadores do Panteísmo. Spinoza, Baruch
(1632-1677), de família judia portuguesa, de Amsterdã, Holanda, foi quem “refez”
o panteísmo e divulgou-o à modernidade.
“Segundo os estoicos são dois os
princípios do universo: um ativo e um passivo; o passivo é a substância sem
qualidade, a matéria. O ativo é a razão na matéria, isto é, Deus. É Deus quem é
demiurgo criador de todas as coisas no processo da matéria.” Os discípulos de
Zenão concordaram em sustentar que Deus penetra em toda realidade, que ora é
inteligência, ora alma, ora natureza [...]. O Deus dos estoicos era Deus-
Physis-Logos, como o fogo artífice, segundo filosofou Heráclito, “raio que tudo
governa” ou ainda como o pneuma, que é “sopro ardente”, ou seja, ar dotado de
calor. O fogo, com efeito, é a origem de todo nascimento, crescimento e, em
geral, de toda forma de vida. O logos é como o sêmem de todas as coisas. Uma
fonte antiga diz: Os estoicos afirmam que Deus é inteligente, fogo artífice,
que metodicamente procede a geração do cosmo e que inclui em si todas as razões
seminais, segundo as quais as coisas são geradas segundo o fado (destino). Deus
é [...] a razão seminal do cosmo.
A providência estoica afirma: nada
tem a ver com a providência de um Deus pessoal. É o finalismo universal que faz
com que cada coisa (mesmo a menor das coisas) seja feita como é bom e como é
melhor que seja. É uma providência imanente e não transcendente, que coincide
com o artífice imanente (o que pertence ao interior do ser), como a alma do
mundo.
Segundo Sêneca (4 a.C.- 65 d.C.),
fado, ou destino: “conduz quem quer e arrasta quem não quer”. Para os estoicos
a alma sobrevive à morte do corpo, pelo menos por certo período; segundo alguns
estoicos, as almas dos sábios sobrevivem até a próxima conflagração (guerra, conflito).
Para os estoicos e epicuristas: “a felicidade se dá vivendo conforme a natureza”.
O bem verdadeiro é a virtude e mal o vício.
Pois bem, analisando os fundamentos filosóficos dessas três escolas já é
possível perceber que o objetivo da filosofia é enaltecer a natureza e eliminar
a ideia bíblica de que existe um Deus criador e mantenedor de toda ordem
cosmológica. Suas conclusões filosóficas estão fundamentadas em Heráclito e no
mundo das ideias de Platão. (grifo do
autor) (REALE, Giovanni\ANTISERI, Dario. História da Filosofia, Antiguidade
e Idade Média. V. I. Ed. Paulus, São Paulo).
Filósofo Isaías Correia Ribas