A filosofia ocidental nasceu na Grécia
antiga por volta do século VII a. C., para fundar um conhecimento desmistificado,
logo, antropocêntrico. O conhecimento mítico e bíblico judaico, até então, eram
os fundamentos que orientava todo conhecimento. Insatisfeitos com esse fundamento
místico, os primeiros filósofos decidiram construir um conhecimento
fundamentado na Physis (natureza), segundo as percepções sensíveis do homem,
questionando assim, o politeísmo mítico-místico e o monoteísmo bíblico. Para tanto,
iniciaram a busca de um elemento natural que fosse a causa de tudo o que existe
na Terra, seja animados (que tem vida) e inanimados (que não tem vida).
Problemas fundamentais da filosofia antiga
No
começo, a totalidade do real era vista como Physis e como cosmos.
Assim, o problema filosófico por excelência era a questão cosmológica. Os primeiros
filósofos chamados precisamente de “físicos”, “naturalistas” ou cosmólogos,
propuseram-se os seguintes problemas: Como surgiu o cosmos? Quais são as fases
e os momentos de sua geração? Quais são as forças originárias que agem no
processo?
O princípio de todas as
coisas à luz da filosofia
Tales de Mileto, da região
jônica, viveu nas últimas décadas do século VII a primeira metade do VI a. C.,
além de filósofo, foi cientista político destacado. Foi o iniciador da
filosofia da Physis, o primeiro a afirmar a existência de um princípio
originário único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que esse
princípio é a água. Por princípio (arché), entende-se: a) a fonte de todas as
coisas; b) a foz ou termo último de todas as coisas; c) o sustentáculo permanente
que mantém todas as coisas (a “substância”, usando um termo posterior). Em
suma, o “princípio” pode ser
definido como aquilo do qual provêm, aquilo no qual se concluem e aquilo pelo
qual existem e subsistem todas as coisas.
Giovanni Reale, “Mas não se deve acreditar que a
água de Tales seja o elemento físico-químico que bebemos. A água de Tales deve
ser pensada em termos totalizantes, ou seja, como a Physis líquida originária
da qual tudo deriva e da qual a água que bebemos é apenas uma das manifestações.
Tales é “naturalista” no sentido antigo do termo e não “materialista” no
sentido moderno e contemporâneo. Com efeito, a sua “água” coincidia com o
divino: dizia ele que “Deus é a coisa mais antiga, porque incriada”, ou seja,
porque princípio. Desse modo, se introduz no pensamento uma nova concepção de
Deus: trata-se de uma concepção na qual predomina a razão, destinada, enquanto
tal, a logo eliminar todos os deuses do politeísmo fantástico-poético dos
gregos”.
“Com Tales, o logos humano rumou com
segurança pelo caminho da conquista da realidade em seu todo (a questão do
princípio de todas as coisas) e em algumas de suas partes (as que constituem o
objeto as “ciências particulares”, como hoje as chamamos)”.
Anaximandro de Mileto, provável discípulo
de Tales, logo, seu contemporâneo, organizou um tratado sobre a natureza, dele chegou-nos
um fragmento. Neste, percebe-se que a problemática do princípio se aprofundou: ele
sustenta que a água já é algo derivado e que, ao contrário, o “princípio”
(arché) é o infinito, ou seja, uma natureza (phiysis) infinita e in-definida da
qual provêm todas as coisas que existem.
O que é privado de limites,
Anaximandro denominou-o a-peiron. Assim sendo, esse princípio
abarca, governa e sustenta todas as coisas, nele con-sistindo e sendo. Esse
infinito parece com o divino, pois é imortal e indestrutível, logo, sustentador
e governador de tudo.
Anaxímenes de Mileto (VI a. C.), discípulo
de Anaximandro, pensa que o “princípio” deve
ser infinito, mas que deve ser pensado como ar infinito; substância aérea
ilimitada. Exatamente como a "nossa alma", ou seja, o princípio que dá a vida,
que é ar, se sustenta e se governa, assim também o sopro e o ar abarcam o
cosmos inteiro, e mais, ele é sem forma e sem limites, diferente dos corpos, é
invisível.
Heráclito de Éfeso (VI e V a. C.) também
escreveu um tratado sobre a natureza, deste chegou-nos vários fragmentos. Para
ele, o fogo é o princípio fundamental, pois, à ação deste, tudo se
transforma. Por isso, tudo está em movimento, são e não são concomitantemente.
Tudo está no devir, destinado à contínua passagem de um contrário ao outro:
Deus é dia-noite, é inverno verão, é guerra e paz, é saciedade e fome.
Os pitagóricos atribuíram ao número o “princípio”
de tudo. Nenhum filósofo naturalista pensou
a terra como o princípio de tudo. Chegaram a pensar na união de vários
elementos, entre esses, a terra, para compor a argamassa como princípio de tudo.
Nos dois séculos da filosofia da natureza,
percebemos o embate filosófico para determinar a arché de todas as coisas
naturais e cosmológicas, mas não passou de pretensões racionalistas, logo, o logos,
a palavra ou o raciocínio lógico não passou de hipóteses para estabelecer o
deus filosófico, que assumiria, se tudo desse certo, o lugar do Deus criador,
segundo as escrituras bíblicas.
Porém, nem tudo foi perdido,
dessa busca frustrada para estabelecer um deus à visão-lógica racional,
fundou-se o princípio e o rigor que passou a orientar o espírito filosófico e científico.
A prova de que nada mudou com a
investida filosófica naturalista é que, ainda hoje, a mitologia, o politeísmo,
o misticismo e o monoteísmo bíblico estão vivos como nunca.
Filósofo Isaías Correia Ribas.