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domingo, 13 de março de 2011

MIOPIA FILOSÓFICA

Todo indivíduo é e sempre foi único. Embora cada um seja herdeiro genético de um casal, herdando características genotípicas, fenotípicas e culturais de seus ancestrais, cada um, mesmo com todas essas influências, continua sendo único. Essa unidade é ainda composta de outros vários elementos físicos e metafísicos, de órgãos autônomos e de outros sob o controle da vontade. E ainda mais, cada um é também um universo de sensibilidades psíquicas, físicas e emocionais, todas finitas, porém, com infinitas possibilidades de combinações. Logo, a diversidade de características em comum são as causas da individualidade. Essa tríade única, corpo, razão e mente/pensamentos são combinações até hoje discutidas. Embora delas façamos uso constantemente, a ciência, as religiões e os filósofos, ainda não chegaram a um denominador comum. O que se sabe com certeza é que o cérebro é um órgão que, por meio de um composto químico, gera tensões elétricas, as quais fazem as conexões através dos nervos ao resto do organismo. E a mente/pensamento, como eles surgem e como se dá essa ligação metafísica com o físico? Por acaso algum racionalista já é capaz de definir? Creio eu, que sem as sensibilidades físicas e psíquicas jamais pensaríamos e consequentemente não haveria o que memorizar. E a razão, é somente um raciocínio lógico ordenado segundo os signos culturais? Não. Não pode ser tão limitada como pretendem os pensadores racionalistas e metafísicos de todos os tempos. A razão é um universo inato, independe de conhecimento escolar e cultural. Ela, naturalmente, dá a qualquer pessoa condição de avaliar e julgar as próprias emoções físicas e psíquicas. Porém, a razão pode ser moldada, pois é predisposta à evolução cognitiva. Agora sim, por meio do conhecimento formal e informal, mais as apreensões culturais, o nível de consciência passa ser a propulsão do desenvolvimento pessoal, que é o causador da evolução social e do meio. Então, se um povo ou nação, quer desenvolver-se em todos os sentidos, precisa dar boa formação escolar aos seus concidadãos. Para que isso ocorra a médio e longo prazo, é preciso anular o idealismo de preparar o povo para o trabalho apenas braçal, pois, quanto maior a visão de mundo da grande massa, mais fácil será para a administração pública implantar ideais desenvolvimentistas.
A federação e os estados precisam acabar com essa ideologia de educação colonial, das terras dos Tupiniquins. Não precisamos mais ficar olhando para trás, os atuais brasileiros já possuem condições de pensar o Brasil a partir dos brasileiros, da nossa atual realidade.
Já se percebe essa nova visão educacional no âmbito federal. Quando os políticos da esfera estadual e municipal tiverem essa consciência, a educação dará à população essa maturidade de conscientização e esse novo indivíduo não vai mais construir a sua casa em um local de risco e o novo político vai também zelar pela vida de seus concidadãos, educando-os quanto à força da natureza e que seus limites devem ser respeitados. E essa educação de que tudo acontece pela vontade de Deus vai diminuir e esse cidadão consciente terá mais precauções racionais.
Todas essas características são comuns a todos os indivíduos, exceto em casos patológicos. A capacidade do homem de se localizar no tempo e no espaço e de compreender o mundo à sua volta só é possível por causa dessas características que é comum a todos e ao mesmo tempo, é a causa da individualidade.
Dividir o indivíduo em corpo e alma, em entidades distintas, mortal e imortal, que se juntam por um período e para um propósito é um erro filosófico e religioso. Pois o indivíduo só é íntegro, enquanto todas essas capacidades estão ativas concomitantemente. Deixando de existir o físico, automaticamente o metafísico se extingue. Deus, quando criou o homem assim o criou: físico e metafísico, capaz de apreender, compreender e criar a partir do que existe na natureza. Logo, o homem é semelhante ao criador, ele pensa com consciência e executa o pensado.
A filosofia, com a intenção de provar seus argumentos antropocêntricos, “dividiu” o indivisível indivíduo em razão e sensibilidade. A primeira foi enaltecida e a segunda depreciada. À razão ligou ao verdadeiro conhecimento, filosófico e científico, portanto, lógico e empírico. E ao sensível ligou o falso conhecimento e entre eles estão todo “conhecimento” revelado, religioso, aquele que é buscado por meio da fé. Mas a questão é: é possível a racionalidade sem as sensibilidades físicas e psíquicas? No meu entender, o erro filosófico é o mesmo do religioso, ambos, buscam por interesses próprios, montar um indivíduo dicotômico, com a finalidade única de questionar a existência e os princípios legais de um Deus criador do universo. Mas a grande realidade natural é que jamais o indivíduo dividido funcionará a contento, na íntegra, sem as inter-relações físicas e metafísicas, isso não é possível nem mesmo no campo das possibilidades. Fato é que o racionalismo filosófico pré-socrático entrou em crise e nela permanece.
Friedrich Nietzsche (1844-1900), de sua filosofia inferiu: “a grande razão é o corpo e a consciência é a razão menor”. Sem o corpo que sofre os afetos externos e internos, jamais existirá alguma consciência. É o corpo com todos os seus dispositivos sensíveis, que dá à razão, pequena consciência, alguma possibilidade de apreender, compreender e pensar o objeto ou a coisa.
No primeiro período filosófico, o pré-socrático, os filósofos naturais compreenderam que estavam enganados: não há nenhum elemento natural que possa ser a causa primeira de toda evolução do Cosmos. De suas pesquisas deduziram apenas o óbvio: o universo é um constante devir (movimento cíclico da vida animada e inanimada), existe por si só, sem nenhuma gênese e sem nenhuma finalidade. E Aristóteles, seguindo o mesmo raciocínio, criou a hipótese de um motor imóvel, causador de todas as causas sem ser causado.
Mas como a pretensão primeira da filosofia sempre foi e é, anular do consciente da humanidade a noção de um Deus criador e salvador, que tudo criou com uma finalidade, não desistiram, e assim, explicitamente, as escolas filosóficas helenísticas se expressavam: “diziam que Deus não se importava com os interesses desse mundo e que a terra não é nem conservada nem governada por essa essência igualmente bem aventurada, incorruptível e onipotente; mas que ele, o mundo, subsiste por si mesmo..., pois tudo o que acontece no mundo acontece por acaso” (Flavio Josefo. História dos Hebreus. Vol. III. Pág. 302. Ed. das Américas). Intelectuais e ignorantes dos dias atuais negam e zombam daqueles que possuem fé em um Deus criador e salvador.
Já é tempo de filósofos e cientistas entender e aceitar que a fé não anula a capacidade filosófica e científica de nenhum indivíduo às pesquisas, e que essa posição é apenas preconceituosa. A fé não é antagônica ao conhecimento e nem mesmo atrapalha, pelo contrário, busca conhecer tanto o físico quanto o metafísico. Logo, é mais lógica. A filosofia foi e é útil ao desenvolvimento humano, o erro está em limitar-se a destruir a fé, algo que é intrínseco, natural do homem. Assim, acabam prestando um desserviço ao desenvolvimento cognitivo integral. A filosofia tem uma tarefa maior que essas preocupações mesquinhas. O indivíduo, o outro igual, é diariamente devorado por sistemas ideológicos, políticos, religiosos, sindicais etc., esses são os lobos do homem, não a fé, pelo contrário, ela dá sentido à vida, dá esperança, felicidade e a possibilidade de pensar no outro, de repensar um capitalismo mais equitativo. Precisamos preocupar-nos em livrar o outro dos sistemas, levando-o a se valorizar, a ter um espírito livre, a produzir mais e não contentar-se em apenas ser ovelha de rebanhos dos mais diversos sistemas que se instalam para sobreviver da exploração do outro. A fé é de utilidade subjetiva, é indestrutível, o máximo que se consegue é redirecioná-la, o que precisa ser questionado e eliminado, se possível for, são os mercadores da fé, aqueles que redirecionam a fé alheia segundo os seus interesses particulares. Por isso os exploradores políticos e religiosos preferem um povo sem conhecimento, logo, inconscientes, preparados apenas para o labor braçal, e à exploração.
As teorias filosóficas da evolução, entre elas a de Charles Darwin (1809-1882), são perspectivas atuais de consolidar a pretensão filosófica pré-socrática.

ISAÍAS CORREIA RIBAS, FILÓSOFO E PROFESSOR DE FILOSOFIA.