Desde a mais remota antiguidade, o homem como ser no e do mundo em meio e parte de todo o universo das *contingências (dúvidas e incertezas), não consegue conviver em plena paz com a dura realidade das finitudes temporais sem se perguntar, qual é a finalidade dessa existência a qual estou inserido? Em meio ao “silêncio” universal que nos estamos inseridos, o homem, único ser de razão, busca encontrar uma explicação racional para o fato da existência.
O livro mais antigo e ao mesmo tempo o mais atual, nos diz que o primeiro casal, Adão e Eva foram criados através do logos (palavra) de um Ser, O qual, na mesma semana literal criou toda forma de vida que envolve o planeta Terra e o universo astral. O mesmo livro nos relata que alguns dos descendentes desse primeiro casal, por causa da entrada do pecado, os questionaram quanto a esse Deus criador que eles tanto falavam e cultuavam. Então, para concretizar os seus questionamentos, numa atitude desafiadora, deixou o convívio do patriarca, mudaram-se para outra região e criaram uma pluralidade de deuses naturais para cultuarem. Em contra partida, o Patriarca e os que com ele ficou, continuaram cultuando o Deus único, O Criador. Logo, assim que o homem tomou consciência de seu estado de lançado ao mundo, fora do paraíso edênico (Jardim do Éden) buscou uma forma de transcender (tentativa de elevar-se além da realidade mundana), para amenizar a dura realidade das contingências existenciais que o angustiava.
A linha do tempo tem nos mostrado que o meio que nos leva à transcendência é a fé (crença), que pode ser depositada em um Deus criador, numa pluralidade de deuses criados, em hipóteses (teorias argumentativas), e às ciências empíricas (experimentos laboratoriais).
Os gregos, pai do racionalismo ocidental não foram diferentes, adotaram o politeísmo bíblico, tiraram deles a forma natural e lhes deram uma forma humana (*antropomorfa) e a partir desse novo modelo “divino” criaram uma nova forma de culto, a tragédia grega.
A tragédia nasceu de suas crenças no destino (moira), lei maior da natureza: todos estão condenados a morrer, isto é, nascer, crescer e desaparecer. Para os gregos antigos essa vida não tinha sentido lógico. Tudo na natureza está predestinado à destruição e assim também acontece com os homens, independentemente de suas escolhas ele chega lá, morre. O termo tragédia vem de Tragöi (coral), o som harmonioso do coro atinge o homem e é útil à sua formação emocional e moral, assim, associados aos sons, suas máscaras criavam o ambiente propício para o espetáculo da tragédia. Mas qual era o sentido da existência desse teatro trágico? É que para os gregos antigos, o viver era uma tragédia, não tinha sentido e onde não há sentido, busca-se, cria-se, inventa. A tragédia era para os gregos um tipo de cartase (purificação) dos sofrimentos, pois o modo de vida deles continha muito sofrimento.
O homem grego consultava os *Oráculos (velhos sábios), que o aconselhava e lhe previa o futuro, mas para quem crê na predestinação, essa postura é no mínimo paradoxo. Em toda Hélade (território) da Grécia antiga, suas Polis (cidades Estados), viviam em constante estado de lutas entre si, guerrear era parte de sua cultura, daí, para sobreviver, era preciso lutar e nesse estado a juventude era constantemente ceifada e suas famílias viviam em constante crise existencial. Então, diante dessa crise, os pensadores inventaram a tragédia grega, uma religião grega, onde todos, ao som do coral cantavam e os seus sofrimentos eram purificados em conjunto. Pode-se dizer que cada uma das Polis tinham a sua tragédia, o seu culto, e assim, das coisas sem sentido nasceu à tragédia grega que os ensinava como lidar com os sentimentos mais profundos e terríveis. Se não aprendessem a lidar com os seus sentimentos toda Grécia poderia perder o sentido de viver, perdendo-o, possivelmente sua história seria outra.
Os deuses gregos eram imortais, tinham a forma humana, estavam entre eles e habitavam na montanha mais alta da Grécia, o Olimpo. Qual era o papel do herói na tragédia grega? Imitar os deuses. Mas como ser imortal se morriam nos combates? Os heróis gregos eram diferentes dos heróis de Hollywood que são exaltados e honrados em vida pelos seus feitos. O herói grego é aquele que morria combatendo, já que não eram imortais como os deuses, aprenderam os guerreiros gregos que alguma coisa tinha que valer a pena naquele viver sem sentido. Por isso lutavam até a morte, pois, por meio de seus feitos seriam lembrados, tornavam-se imortais análogos aos habitantes do Olimpo. O guerreiro era ensinado pelos oráculos a não evitar a própria morte e jamais tentar fugir das previsões oraculares. Então, nunca pares de lutar, nem de combater, se morrer lutando estas morrendo pelos seus, pela sua Polis, só assim serás lembrado e eternizado. Deste modo era construído o sonho, ou melhor, a ideologia para os guerreiros gregos. Então, eis o sonho de todo jovem grego, o sonho de ser um herói: morrer em combate, lutar até a morte, pois, herói que é herói, morre lutando.
A tragédia era um culto com coro musical que servia para educar moralmente os jovens, local onde as famílias unidas compartilhavam suas dores, seus sofrimentos do viver sem sentido, sofriam juntas suas “perdas” e conseguiam entrar em estado de purificação e limpeza. Assim, a tragédia alcançava o seu objetivo: dar “sentido” a vida, purificar os sentimentos e preencher o vazio que a vida lhes legava. Ideologia é um conjunto de ideias elaboradas por pensadores para dar sentido ao viver daqueles que estão perdendo a perspectiva de viver, com objetivo de mascarar a realidade, é uma mentira lógica, uma utopia.
A questão é, será que alguém consegue viver neste mundo sem se transcender? Alguns sim. Porém, lembremos que o homem é composto de algo além de si, ele não é apenas o que pensa ser, ele não está no controle de nada, ele é a sua própria incógnita. Então, a transcendência lógica, entendo, é a saída mais segura para o viver em paz enquanto se espera. Isto é, viver segundo o plano do Criador, e deste não faz parte as instituições religiosas Católicas, protestantes e espiritualistas, todos esses trabalham com a transcendência mística, antagônicos a transcendência lógica, todos são adeptos das falácias teológicas, eles são contrário ao desenvolvimento intelectual de seus rebanhos, pois somente assim poderão usá-los para construírem um céu aqui na Terra às suas elites institucionais. As teologias atuais, segundo Ludwig Feuerbach (1804- 1872), defensoras da teologia da prosperidade e da libertação são exemplos de teologias antropocêntricas. Marx e Nietzsche também criticaram a utilidade das religiões de seus dias: Karl Marx (1818-1883) classificou-a como “ópio do povo’ e Friedrich Nietzsche (1844-1900), disse que “A barbárie doentia aumentou até chegar ao poder como igreja”. Fazendo uma distinção entre Cristo e o cristianismo disse: “ninguém é suficientemente “convertido” ao cristianismo, basta ser suficientemente doente para tanto”. “Somente a prática cristã, uma vida como a dele, que morreu na cruz, é cristã” (...). Ainda uma vida assim é possível, para alguns homens até necessária: o cristianismo verdadeiro, o original, será possível em todas as épocas... Não uma fé, mas um agir, sobretudo não fazer muitas-coisas, ser de outra forma... Reduzir o ser-cristão à cristandade, ao ter por verdadeiro, a uma fenomenologia da consciência significa negar o cristianismo” (NIETZSCHE O Anticristo maldição do Cristianismo, pág. 59, 61 e 75, ed. 1905). Ellen G. White (1827-1915), profetiza contemporânea para as gerações dos últimos dias é, no meu entender, a única a apresentar uma transcendência lógica, sem máscaras. Caso queira investigar, leia a sua “principal” obra: O Conflito dos Séculos.
Isaías Correia Ribas, filósofo e professor de filosofia.